o flerte pandêmico

Thais Uehara
3 min readApr 11, 2021

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nesses últimos seis meses de pandemia eu fiquei solteira, um relacionamento de três anos e meio com um fim até que satisfatório em meio ao caos. eu posterguei muito lidar com o término e com o “estar sozinha” pra me dedicar aos trabalhos acadêmicos finais e uma onda de alta demandas no trabalho. acho que adiei até demais.

a verdade é que hoje dia 11 de abril de 2021 eu me sinto levemente estranha quanto aos relacionamentos amorosos. ao mesmo tempo que sei que não tenho cabeça nem ânimo para começar um romance eu o quero desesperadamente.

em tempos de pandemia a coisa só fica mais complicada ainda, baixei dois aplicativos de relacionamento com a desculpa de “quero conhecer gente nova já que a pandemia não me traz nenhum novidade além de morte”. mas é um pouco difícil me relacionar com as pessoas de lá já que nem eu sei o que estou buscando no aplicativo.

os flertes pandêmicos contém conversas muito abstratas por meio de reações em stories do Instagram ou deslizadas para direita no aplicativo. como se não bastasse esse péssimo início de contato com a pessoa desejada ainda nem é possível ter um encontro de fato.

hoje eu consigo ver claramente que as pessoas que eu tenho interesse se separam em duas categorias:

  1. pessoa que eu gosto, tenho afinidade, mas por ser como eu e não estar furando a “quarentena” não haverá nenhum desenvolvimento no relacionamento até a vacina. na melhor das hipóteses pode até começar um romance sofrido de relacionamento a distância (o que também não é nada bom).
  2. pessoa que eu tenho apenas desejo, temos até algumas coisas em comum e podemos nos encontrar fisicamente, mas a atitude dela é assim comigo como também com os outros (maior exposição ao vírus). dado o caso, não sinto que vou querer desenvolver algo com essa pessoa.

em ambos os casos eu acabo aqui, sozinha em meu terraço pensando e escrevendo sobre amores que gostaria de estar vivendo. poder narrar inúmeros sorrisos não planejados, beijos ardentes que aceleram o coração, despedidas que doem mais que uma batida de mindinho na quina do móvel.

queria poder estar flertando por ai desenfreadamente, no metrô com qualquer paixão que estivesse vestindo preto ou lendo um livro que me interessasse, uma trombada na rua que melhorasse meu dia tão corrido, uma troca de olhares proibidos mas ainda explícitos.

fiquei aqui sozinha no terraço, pensando que jamais poderia flertar em uma condição dessas. talvez eu seja viciada em flertar, porque houve uma única janela de oportunidade.

ao olhar exatamente para frente do meu notebook vejo meu vizinho abrindo a janela e gritando para fumarmos juntos, são quase duas da manhã e fico assustada com a mínima possibilidade de começar uma aproximação com alguém.

eu tenho interesse nesse vizinho há uns sete anos, pouco depois que me mudei para cá notei como ele era muito bonito e sempre animado. como ele é mais velho que eu nunca pensei que algo poderia acontecer entre nós, continuei aqui na minha observação pelo terraço sem nunca trocar uma única palavra.

ele acena novamente questionando se quero fumar, eu realmente não sei lidar com essa oportunidade. continuo olhando para o notebook na esperança de que ele desista, ele insistiu mais uma vez, entrei pra dentro de casa.

agora faz uns cinco meses que isso aconteceu e ainda não sei onde enfiar minha cara toda vez que o vejo, agora sei que existe uma oportunidade, sei que a janela foi aberta e seria a melhor maneira de flertar na pandemia. é meu vizinho, sei quantas vezes sai de casa, se veste máscara, se tem brigas gritantes com a família.

mesmo assim permaneço imóvel, esperando que algum dia ele coloque uma carta no correio para que eu possa conversar com ele por trocas de reações em stories.

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